Neste 25 de julho, Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Afro-Caribenha, não podemos esquecer da campanha publicitária preconceituosa da Cadiveu Brasil e outros atos pejorativos, que apresentam o cabelo crespo como "cabelo ruim", "bombril" e tantos absurdos.
No início deste ano, nos deparamos com a propaganda da empresa Cadiveu em que divulgava fotos de pessoas com perucas black power e uma placa com a seguinte frase: "Eu preciso de Cadiveu".
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Fotos da campanha publicitária da Cadiveu Brasil |
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A empresa definiu o ato como "uma brincadeira" |
Na contra-mão da naturalização do preconceito, foram muitos os protestos nas redes sociais. Indico a página oficial da campanha "EU NÃO PRECISO DE CADIVEU".
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Foto da campanha EU NÃO PRECISO DE CADIVEU |
Segue também a nota de repúdio publicada por vários coletivos em janeiro deste ano.
NOTA DE REPÚDIO AO
PRECONCEITO DA CADIVEU
Não é fenômeno atual o fato de que o
fenótipo de pessoas negras é adjetivado como 'ruim'; conforme ensaio de G.K.
Hunter ("Othello and color prejudice", 1978, p.41), na literatura
religiosa, nos romances medievais e na tradição pictórica, todos os demônios,
pagãos, maus espíritos, mouros e turcos eram negros.
Dito fenômeno se acentuou por ocasião
da escravidão de negros africanos; conforme ensinou Octave Mannoni, em
"Próspero e Caliban", as diferenças entre os seres humanos foi usada
pelo colonizador como um instrumento de dominação, pois ele, além de não
perceber o mundo do colonizado como um mundo a ser respeitado, ainda buscava
satisfação psicológica na imposição de seus próprios valores e tradições como
'algo superior'.
Essa dominação se deu, no caso dos
escravos africanos, com uma total repressão a tudo que se referisse ao povo
africano: seus valores, deuses, tradições e fenótipo. A palavra diáspora
refere-se a um trauma coletivo de um povo que, banido de sua terra e vivendo em
um lugar inóspito, sente-se como que desenraizado de sua cultura e de seu lar.
Esse trauma leva muitas pessoas negras a, buscando a aceitação do dominador,
negar sua própria afrodescendência ao buscar a adequação de seus corpos (e
cabelos) aos padrões eurocêntricos impostos.
Mesmo após passados anos da abolição
da escravatura, essa desvalorização da pessoa negra, de sua cultura e valores
se perpetua através de outros meios, como a demonização das religiões de matriz
africana, a qualificação pejorativa do fenótipo negro e o tratamento de pessoas
negras como que inferiores, com o uso de linguajar infantil que reflete
exatamente esse sentimento de superioridade de quem o adota.
Recentemente a marca de produtos
cosméticos 'Cadiveu Brasil' publicou em sua página do Facebook um álbum onde
foi retratada uma campanha que perpetuava o racismo, por meio de qualificação
pejorativa do cabelo de pessoas negras. Dito álbum mostrava pessoas colocando
uma peruca que lembrava o cabelo 'black' e segurando uma placa com os dizeres
'eu preciso de cadiveu' (numa clara alusão à idéia de que o cabelo crespo, para
se tornar apresentável/aceitável, precisava de um cosmético).
O coletivo 'Mulheres Black Power' foi
o primeiro a se manifestar contrariamente a esse preconceito velado, disfarçado
de 'padrões de beleza' eurocêntricos e racistas; e vários outros coletivos e
usuários da rede manifestaram repúdio à dita conduta.
No lugar de apresentar uma retratação
digna, a referida marca respondeu no Facebook dizendo que era 'apenas uma
brincadeira', 'que a campanha tinha sido um grande sucesso', 'que tinham uma
modelo negra que assumia o cabelo black', entre outras coisas.
Referida resposta nem de longe
constitui a postura que se espera de uma empresa séria que diz respeitar a
diversidade e suas consumidores'; reflete, na verdade, uma visão alienada de
que sob a desculpa do 'humor' tudo pode ser feito, que ter uma modelo negra os
autorizaria a vilipendiar o fenótipo negro, que um grande sucesso numa campanha
constituiria motivo suficiente para a manutenção desta campanha,
independentemente de seu conteúdo.
Seguiram-se novas manifestações de
usuários e nova manifestação da marca, que desta vez optou por usar um
linguajar infantilizado, apelo à emoção e reiteração do racismo com a alusão à
'raça pura' e a proposta de fazer um vídeo com 'meninas que valorizem os
cachos'.
Entendemos que um simples vídeo sem
que antes dele venha uma retratação pública não resolverá a crise estabelecida.
É preciso que a marca tome outras medidas para demonstrar seu compromisso com o
combate ao racismo, pois esse problema não é algo individual, mas coletivo, que
infecta todos os padrões sociais.
Enquanto o racismo declarado
constitui crime, o velado (em forma de padrões de beleza e humor, por exemplo)
continua firme e forte, afetando crianças, jovens e adultos que são
marginalizados e ridicularizados. Marcas de produtos e pessoas podem perpetuar
o racismo, ainda que de forma inconsciente, motivo pelo qual é preciso
conscientizar e educar toda a sociedade contra esses tipos de racismo como
parte do combate ao problema. Fazer isso é decência básica humana.
Por este motivo, os coletivos que
assinam a presente, resolveram apresentar esta nota de repúdio e uma proposta
de retratação eficaz:
a) Indisponibilizar o álbum com a
campanha que originou a crise (o que foi feito espontaneamente pela Cadiveu),
b) Apresentar texto onde se reconheça
que qualificar ou insinuar que o cabelo crespo é algo ruim e precisa de um
produto para ser melhorado constitui racismo velado e se desculpar pela
perpetuação do racismo, ainda que essa perpetuação não tenha sido feita de
forma consciente.
c) Desculpar-se por ter usado, em
suas respostas, palavras como 'raça pura', o apelo à emoção e a linguagem
infantilizada (que revela uma visão de superioridade em relação às pessoas que
reclamaram).
d) Comprometer-se na luta contra o
racismo, fazendo campanha nos moldes da adotada pela DKT com o caso dos
preservativos 'Prudence'.
Assinam o presente os coletivos:
4 - Feminismo que cola' - link: https://www.facebook.com/pages/FQC-Feminismo-Que-Cola/347316355364849
8 - Homem Feminista de verdade' - link: https://www.facebook.com/pages/Homem-Feminista-de-Verdade/458014067568295?ref=ts&fref=ts
10 - 'O preconceito onde voce não vê' - link:https://www.facebook.com/OPreconceitoQueVoceNaoVe?ref=ts&fref=ts
13 - 'Renovação Negra' - link: https://www.facebook.com/pages/Renova-Ação-Negra/206081572798330?ref=ts&fref=ts
15 - 'Não preciso de Cadiveu' - link:https://www.facebook.com/NaoPrecisoDeCadiveu?ref=ts&fref=ts
16 - 'Blogagem Coletiva Mulher Negra' - link:https://www.facebook.com/blogagemcoletivamulhernegra?ref=ts&fref=ts
19- 'Femenputecidx' link: https://www.facebook.com/pages/Femenputecidxs/199703346829397?ref=ts&fref=ts
Se o racismo está enraizado, arranquemos a praga com raiz e tudo e a substituamos
pela valorização das raízes negras. Meu cabelo é bom; ruim é o seu preconceito.
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